O QUE É A IGREJA?


– O que é “a Igreja”? – perguntou Belzebu severamente, relutando em acreditar que seus servos fossem mais espertos do que ele.
– Bom, quando uma pessoa diz uma mentira e teme que não vão acreditar nela, chama sempre Deus por testemunha, e diz: “Por Deus, estou dizendo a verdade!” Isso, em essência, é “a Igreja”, porém com uma peculiaridade: aqueles que reconhecem a si mesmos como sendo “a Igreja” acabam convencidos de que são incapazes de errar, e portanto qualquer besteira que proferem não podem nunca refutar. A Igreja é constituída da seguinte forma: homens asseguram a si mesmos e a outros de que seu mestre, Deus, a fim de assegurar que a lei que revelou aos homens não seja mal interpretada, deu poder a determinados homens que, juntamente com aqueles a quem transferem esse poder, são os únicos capazes de interpretar corretamente o ensino dele. Assim esses homens, que chamam a si mesmos de “Igreja”, consideram-se defensores da verdade não porque pregam o que é verdadeiro, mas porque se consideram os únicos verdadeiros sucessores dos discípulos dos discípulos dos discípulos, até os discípulos do próprio mestre, Deus. Embora esse método, como o dos milagres, tenha a desvantagem de que as pessoas possam afirmar simultaneamente, cada uma por si mesma, serem membros da única Igreja verdadeira (como de fato sempre acontece), tem a vantagem de que tão logo os homens declaram que são a Igreja e desenvolvem sua doutrina com base nessa afirmação, não podem mais renunciar ao que já disseram, por mais absurdo que seja, não importa o que digam as outras pessoas.

– Mas por que a Igreja distorceu o ensino em nosso favor? – perguntou Belzebu.
– Fizeram isso – prosseguiu o diabo de capa – porque uma vez tendo se declarado os únicos expositores legítimos da lei de Deus, e tendo persuadido os outros disso, tornaram-se os árbitros máximos do destino dos homens e obtiveram portanto o poder máximo. Tendo obtido este poder, ficaram naturalmente orgulhosos e, em sua maior parte, depravados, e deste modo provocaram a indignação e a inimizade de outros contra eles mesmos. E na sua luta contra esses inimigos, não tendo outros meios além de violência, começaram a perseguir, executar e queimar na fogueira todos que não reconheciam a sua autoridade. Portanto a própria posição deles obrigava-os a distorcer o ensino, de modo a justificar tanto suas vidas perversas quanto a crueldade empregada contra os seus inimigos. E foi exatamente isso que fizeram.

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